O Habla Ganja é um espaço pras pessoas da cena canábica falarem um pouco sobre sua relação com a planta. Pra estrear o formato, trocamos uma ideia com a Doutora em Estudos do Desenvolvimento e hempreendedora canábica Larissa Barbosa. Depois de conhecer e se apaixonar pela África do Sul e pela cultura local, ela ficou por lá e iniciou uma extensa pesquisa sobre a maconha. Desde 2018, o país descriminalizou a planta, e a Larissa conta pra gente um pouco dessa vivência.
Como começou a sua história com a maconha?
Quando morava no Brasil usava prensado e tinha um conhecimento superficial, mas foi na África do Sul que minha relação com a planta mudou. Em 2018, entrei pela primeira vez em uma loja de cannabis. Lá só vendia produtos com CBD e acabei comprando algumas cápsulas. Fui tomando e me sentindo muito bem. A partir daí comecei a pesquisar mais sobre a maconha, que passou a fazer parte da minha rotina de bem-estar como um fitoterápico.
Conta pra gente um pouco da descriminalização ai na África do Sul.
Desde 2018 o país descriminalizou o uso e o cultivo, com a Lei de Uso Pessoal e Privado. O limite de porte é 100 gramas no espaço público, e até 4 plantas por pessoa dentro de casa. Os clubes de cannabis são vistos como uma extensão da sua casa, do seu uso privado. Então você paga uma taxa e pode consumir os produtos ofertados por lá, que podem ser flores, comestíveis, concentrados, destilados e etc.
É tranquilo então sair fumando por aí?
Nas ruas não é permitido o consumo, mas em alguns bairros é mais liberado e tem cada vez mais bares e cafés com espaço para fumar. Também dá pra fumar em algumas praias isoladas. É interessante que aqui a bebida alcoólica é completamente proibida, é muito comum ver policiais abordando as pessoas e multando por estarem tomando cerveja na praia, por exemplo. Isso nunca aconteceria com a maconha. Apesar dessa vibe de liberalização, é importante lembrar que é totalmente ilegal a comercialização da cannabis com mais de 1% de THC. Ainda existem prisões por porte e cultivo, principalmente em bairros mais pobres e entre pessoas negras e rastafari.
“É interessante que aqui a bebida alcoólica é completamente proibida, é muito comum ver policiais abordando as pessoas e multando por estarem tomando cerveja na praia, por exemplo. Isso nunca aconteceria com a maconha.”
Rastafaris estão sendo presos por causa de maconha?
A figura do “traficante” aqui é o Rasta. Na época da ilegalidade total, quem mais cultivava e vendia eram os rastafaris. Hoje, dentro das cidades eles são os principais alvos do controle policial. Um retrato do racismo que ainda é muito forte no país. Apesar disso, a descriminalização foi praticamente uma obra do ativismo rastafari e principalmente de um jurista rastafari chamado Garrett Prince.
Como é a ligação da ancestralidade africana com a cultura da ganja no país?
O primeiro ponto pra entender a maconha na África do Sul é entender a importância da medicina tradicional. O uso das ervas e plantas medicinais é a essência da medicina ancestral africana, e a cannabis é apenas uma das muitas plantas usadas em fitoterapias. O acesso à cannabis via medicina tradicional sempre foi garantido pelo estado, com a Lei do Sistema de Conhecimentos Indígenas. Eu gosto de falar que a cannabis na África conecta passado, presente e futuro.
Como você vê essa conexão entre passado, presente e futuro?
O início da humanidade foi na região do sul da África, com os povos Khoisan. Eles sempre usaram a cannabis para fins religiosos, medicinais e recreativos. Atualmente, o continente está cheio de espaços culturais, artes visuais e inovação. Tem muito avanço na legislação e no mercado da África do Sul. Há muito conhecimento e inovação na área do cultivo. Todo mundo quer plantar maconha como forma de ganhar a vida, de melhorar o dia a dia e ter acesso aos bens de consumo, como um carro, uma casa. No futuro, o país pode liderar mundialmente o mercado da cannabis. Há muita esperança na África inteira com a planta. O passado trouxe os fundamentos, e se admitirmos que, do ponto presente, a única possibilidade é avançar, o futuro pode ser mais que promissor.
“No futuro, o país pode liderar mundialmente o mercado da cannabis. Há muita esperança na África inteira com a planta.”
Me conta um pouco mais sobre o cultivo na África do Sul.
A classificação da maconha daqui é pelo método de cultivo: outdoor, indoor e greenhouse .É como os clubes de cannabis classificam no cardápio e é a principal referência para o consumidor, inclusive porque é um indicador do preço. O outdoor, o cultivo em ambiente externo, é um orgulho nacional. Tem baixo custo de operação, técnicas orgânicas e é totalmente produzida pelo sol africano. A greenhouse é a preferida por muitos pela relação qualidade e preço. Também é fruto do sol africano, mas dentro de um ambiente controlado, na estufa, o que deixa a planta mais potente. O cultivo indoor é a cara da legalização. Representa um cultivo mais profissional, comercial, é o produto premium.
Como é o mercado canábico pra mulheres?
Tradicionalmente as mulheres são as que sempre cultivaram maconha no país e ainda cultivam. Existe uma região no Cabo Oriental chamada 'Cinturão da Maconha' que a moeda de subsistência é a cannabis. Mas não existe um movimento de mulheres no grande mercado da ganja. Se olharmos hoje pra indústria, ela é bastante branca e masculina. O machismo é ainda extremamente naturalizado e banalizado no país. É um desafio grande ser hempreendedora.
Uma mensagem para ervoafetives no Brasil.
Nos conectamos muito à África através da ancestralidade...isso é muito bom, mas a África atual está cheia de festivais de música, espaços culturais, arte e inovação. Viagem e se interessem também por esse continente no tempo presente. Venham conhecer a cultura canábica aqui na África do Sul. Pros ervo-afetivos brasileiros eu sempre digo: venham me visitar!
Conteúdo excelente! Como sempre 👏🏿👏🏿👏🏿